Não são somente as relações profissionais ou comerciais que se tornam cada dia mais complexas e dinâmicas. As relações sociais e afetivas estão em constante metamorfose, sendo imprescindível que o direito acompanhe os novos contornos familiares.
Com a finalidade de se adequar à nova realidade e às necessidades da população brasileira, a união estável foi reconhecida como entidade familiar pela Constituição Federal de 1988, recebendo regulamentação e proteção antes conferida apenas ao casamento, consoante dispõe também o artigo 1.723 do Código Civil[1]. Desde então, o fortalecimento da união estável tem sido cada vez mais crescente, equiparando-se ao casamento, principalmente após o julgamento do Recurso Extraordinário n. 878.694 que pôs fim às diferenciações de tratamentos sucessórios entre os companheiros e cônjuges[2].
A união estável, em síntese, possui elementos objetivos e subjetivos. Os elementos objetivos são aqueles visíveis, que se demonstram de forma inequívoca aos olhos de todos. Pode-se aqui constatar a convivência pública, notória do relacionamento afetivo dos companheiros, a convivência contínua e duradoura – embora não seja mais necessário um tempo mínimo para a sua configuração e tampouco se exija que os companheiros residam no mesmo lugar.
Ao lado destes elementos, estão os subjetivos, internos, inerentes a vontade das partes. Há união estável quando há intenção de constituir família, ou seja, é necessário que os envolvidos tenham a convicção de que estão criando uma entidade familiar e assumindo um verdadeiro compromisso, com direitos e deveres pessoais e patrimoniais semelhantes aos que decorrem do casamento.
Diante destas pequenas nuances, nem sempre é fácil distinguir a união estável do namoro, que também se apresenta de maneira informal perante a sociedade, trazendo, em não raros casos, insegurança e temor nas relações afetivas, principalmente no tocante aos bens patrimoniais[3]. Numa feição moderna, o namoro implica, em muitos casos, uma mesma convivência íntima. Os namorados coabitam, frequentam as respectivas casas, estão juntos em eventos sociais e familiares, demonstrando a existência de um relacionamento amoroso. Os elementos objetivos podem se assemelhar – e muito – a uma união estável. Todavia, falta um elemento imprescindível para a sua caracterização, qual seja, a vontade de ambos de constituir uma entidade familiar.
Por esta razão, surgiu a figura do contrato de namoro, idealizado para afastar a caracterização da união estável com o término do relacionamento e pôr fim a eventual disputa patrimonial, já que se trata, unicamente, de uma relação afetiva, e não jurídica.
Embora sua validade jurídica ainda esteja à mercê de interpretações em virtude da ausência de uma legislação específica, uma grande parcela do judiciário confere validade ao documento. O contrato de namoro é uma declaração de vontade das partes envolvidas emocionalmente e que, por ora, não desejam constituir uma família. Tal documento deve ser registrado em cartórios públicos ou particulares, mediante o reconhecimento de firma.
De toda sorte, mesmo que ainda sem regulamentação e com decisões contraditórias no País, o contrato de namoro não é de todo inútil em sua missão, uma vez que exterioriza o pensamento do casal sobre a sua relação afetiva, servindo, ao menos, como indício da ausência do denominado intuitu familiae, ou seja, da vontade de constituir entidade familiar – pressuposto este, como visto, basilar para o reconhecimento da união estável.
A bem da verdade, o que vai definir se há uma união estável ou um namoro é a análise da realidade fática e dinâmica da relação. Dessarte, a palavra chave para a elaboração de um contrato de namoro é cautela, tendo em vista que não se pode garantir que esse instrumento será suficiente para afastar o reconhecimento da união estável vivida, tampouco trazer, com convicção, a segurança jurídica pretendida.
Deste modo, considerando que as relações afetivas possuem cada qual suas peculiaridades, a busca pela solução jurídica mais adequada aos objetivos e vontades de cada casal passa, invariavelmente, pela analise individualizada de cada relacionamento.
[1] É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
[2]http://www.juscatarina.com.br/2017/10/19/laisa-santos-uniao-estavel-e-inconstitucionalidade-do artigo-1790-do-codigo-civil/
[3] Maria Berenice Dias aduz que: “Não é fácil distinguir união estável e namoro, que se estabelece pelo nível de comprometimento do casal, sendo enorme o desafio dos operadores do direito para estabelecer sua caracterização” (in Manual de Direito das Famílias, 10ª ed. RT/SP, 2015, pág. 261).