Apesar de sempre ter existido, o relacionamento entre duas pessoas que optam por estarem juntas sem os devidos trâmites do matrimônio foi reconhecido somente pela Constituição Federal em 1988. Mesmo que internamente não haja diferença entre companheiros e cônjuges nas relações afetivas, externamente os efeitos jurídicos ainda apresentam bastantes desigualdades.
O Código Civil de 1916, por exemplo, sequer ousou mencionar a possibilidade de existir uma entidade familiar advinda de outros meios que não fosse o casamento. As uniões, quando surgidas sem o devido matrimônio, eram chamadas de concubinato, porém, não havia quaisquer direitos assegurados a este tipo de relacionamento.
Nestes casos, quando havia separação ou morte de um dos concubinos e os sobreviventes recorriam à justiça para buscarem algum direito em razão do relacionamento, os juízes estipulavam indenizações. O fundamento para tais decisões pautava-se no entendimento de que um dos companheiros não poderia enriquecer de maneira ilícita pelo trabalho realizado pelo outro. Como exemplo, havia os casos em que as ditas concubinas realizavam tão somente os trabalhos domésticos da residência e, em razão disso, indenizava-se pelos serviços prestados.
Adiante, a jurisprudência passou a reconhecer essa união como uma sociedade de fato, considerando os companheiros como sócios, e tratando o patrimônio como uma divisão de lucros, desde que houvesse a comprovação de que ambos contribuíram financeiramente para a aquisição dos bens discutidos em juízo.
Após intensa discussão, em 1988, a Constituição Federal reconheceu o relacionamento extramatrimonial como uma entidade familiar e o intitulou de união estável. Contudo, apesar da proteção constitucional, a união estável permaneceu no âmbito do direito das obrigações. Ou seja, não houve uma devida concessão de direitos e as demandas continuaram a ser ajuizadas em varas cíveis.
Em 1994, foi promulgada a Lei n. 8.971/94 que regulou o direito dos companheiros a pensão alimentícia e a sucessão. No entanto, reconheceu apenas aqueles relacionamentos que tinham mais de cinco anos de duração ou dos quais houvesse nascido prole. Ainda, foi concedido o direito sucessório caso não existisse descendentes ou ascendentes na linha sucessória, ou seja, colocou os companheiros lado a lado na ordem sucessória hereditária com os cônjuges.
Posteriormente, a Lei n. 9.278/96 trouxe maiores direitos a estes casais. Como exemplo, retirou o prazo de cinco anos para reconhecimento da união estável, fixou as varas de família para o julgamento dos litígios e reconheceu que os bens adquiridos onerosamente na constância da união estável eram advindos de um esforço comum, dando maior amparo no momento da partilha igualitária dos bens quando da sua dissolução.
Foi somente com o Código Civil de 2002 que houve uma maior regulamentação da união estável e da participação sucessória dos companheiros. Contudo, como é sabido, o projeto do Código Civil foi elaborado em 1975 e não havia o reconhecimento da união estável ainda nesta data. O resultado disso foi uma inclusão às pressas desta entidade familiar, gerando inúmeras falhas na sua regulamentação, principalmente na disparidade de privilégios dos cônjuges em relação aos companheiros.
Uma destas diferenças foi recentemente julgada. O Código Civil de 2002, no artigo 1790, acabou revogando as conquistas antes alcançadas pelos companheiros, transformando-os em herdeiros facultativos. Assim, a posição do companheiro, que antes se encontrava em igualdade de condições com a de cônjuge no tocante a ordem sucessória, se tornou inferior àquela que havia sido estabelecida pela antiga legislação.
Em síntese, o artigo 1790, trazia que o companheiro ou a companheira participariam da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável se (i) concorrendo com filhos comuns, teria direito a quota equivalente ao que for atribuído ao filho; (ii) concorrendo com descendentes só do autor da herança, apenas a metade do que tiver direito a cada um daqueles; (iii) com outros parentes, apenas um terço da herança e; (iv) não havendo parentes sucessíveis, teria direito à totalidade da herança.
Em contrapartida, o artigo 1829, que trata sobre a sucessão do cônjuge, traz a seguinte disposição: (i) o cônjuge concorrerá com os descendentes, salvo algumas estipulações legais trazidas no inciso I; (ii) o cônjuge concorrerá com o ascendente; (iii) caso não haja descendente ou ascendente, a sucessão será integral ao cônjuge.
Diante desta discrepante diferenciação entre companheiros e cônjuges, o Supremo Tribunal Federal, no dia 10 de maio de 2017, por 8 votos a 3, reconheceu a inconstitucionalidade do artigo 1790 através do Recurso Extraordinário n. 878.694. Com essa decisão, se colocou fim a diferenciação de tratamento sucessório entre os companheiros na união estável e os cônjuges na relação matrimonial, em respeito ao princípio da igualdade. Importa ressaltar que a decisão afetará, por repercussão geral, todos os casos assemelhados.
Deram provimento ao Recurso os ministros Luís Roberto Barroso (relator), Edson Fachin, Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux, Celso de Mello e Carmén Lúcia. Ficaram vencidos os ministros Marco Aurélio, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski.
De acordo com a decisão, o companheiro ou a companheira participará da sucessão nos mesmos moldes que os cônjuges. O fundamento do voto do Ministro Luís Barroso trouxe que a Constituição Federal igualou o tratamento das entidades familiares, a ofensa a igualdade, a dignidade humana e a proporcionalidade, assim como levantou que as Leis n. 8.971 e 9.278 já haviam quase equiparado a relação sucessória, não havendo o porquê a sua desequiparação pelo Código Civil, vedando-se o retrocesso e o tratamento diferenciado.
Ainda, a decisão preocupou-se em preservar a segurança jurídica, modulando os casos em que seria aplicável. O entendimento ora firmado é que a decisão será aplicada aos inventários judiciais em que não tenha havido o trânsito em julgado da sentença de partilha, bem como às partilhas extrajudiciais em que ainda não haja escritura pública.
A tese final firmada, para os devidos fins de repercussão geral, foi que “no sistema constitucional vigente, é inconstitucional a diferenciação de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no artigo 1.829 do Código Civil”
Não obstante, apesar da declaração de inconstitucionalidade do artigo 1790, ainda há inúmeras questões a serem apontadas. O próprio IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Famílias, que atuou no caso como amicus curie, opôs Embargos de Declaração nos presentes autos questionando outros artigos do Código Civil que dizem respeito a união estável, como o artigo 1845, sobre a inclusão ou não do companheiro como herdeiro necessário, da mesma forma, o artigo 1831 que trata sobre o direito real de habitação e os artigos 1832, 1836 1837 e 1845, todos da supracitada norma.
Os Embargos de Declaração ainda se encontram pendentes de julgamento. De toda sorte, percebe-se uma crescente busca pela igualdade de direitos entre os companheiros em relação às normas que contemplam os cônjuges. Resta-se aguardar quais serão as próximas posições firmadas pelo Supremo Tribunal Federal sobre o assunto e os impactos que trarão a sociedade e ao mundo jurídico como um todo.